Falar em solidão atualmente é quase que tratar de um tabu.
Parece ser um tema tão espinhoso, tão perigoso, tão problemático que preferem
deixar este tema atrelado muito mais a uma doença do que necessariamente a algo
associado exclusivamente ao espírito humano. Parece que falar de solidão
pertence única e exclusivamente a uma área da medicina ligada a doenças
psicossomáticas e que somente estes especialistas possuem o dever ou a
capacidade de falar sobre este assunto. Ora, a solidão é uma necessidade para a
reflexão! O indivíduo consegue refletir sobre sua condição coletiva estando
afastado dela, seja periodicamente, temporariamente ou como quer que seja. O
problema é que alguns taxam esses indivíduos solitários como “depressivos”,
potencialmente “problemáticos” ou até como “protocriminosos”.
Apesar dos avanços dos meios de comunicação, do avanço dos
aparelhos telefônicos, da internet, da tevê, enfim, das mídias em geral, ainda
assim vemos pessoas que se sentem sozinhas, solitárias, reclusas. Vemos pessoas
que também dizem estar sofrendo de algum mal psicológico – “depressão”, a
palavra da moda – por estar muito tempo sozinhas, isoladas do contato social ainda
que estejam constantemente “cutucando” ou trocando scraps via internet. Confessam para alguém que “estão mal” porque
estão sozinhas; estão passando por um momento difícil porque estão sozinhas;
cometem até crimes porque se sentiam muito sozinhas, isoladas, ou até excluídas...
Esse é o preço pago pela busca da individualidade iniciada pelo pensamento
moderno? Será que essas pessoas de fato são culpadas por serem diferentes e se
sentirem tão isoladas a ponto de assumir que a solidão pode ser tratada com antidepressivos?
A sociedade pós-industrial não lida muito bem com esse
estado de espírito tão caro ao ser humano, parece que ela sente um temor ao
imaginar que algum ser humano possa ficar a sós consigo mesmo, com seus
pensamentos, e daí crie a possibilidade de questionar justamente essa sociedade
que não permite ao ser humano viver uma solidão saudável, necessária aos
espíritos que almejam ser de fato livres. Inventa logo que se trata de uma “doença
psicológica” e que a pessoa que sofre desse “mal” deve de imediato seguir a
risca as prescrições de um “doutor” apressado em lhe passar um estimulante ou
um calmante, a depender do caso, obviamente.
O problema é que a sociedade pós-industrial não ensinou a
este mesmo ser humano contemporâneo usufruir dessa coisa tão necessária e cara
ao próprio ser humano que se chama solidão - como também não ensinou ao ser humano saber conviver efetivamente em sociedade, mas esse é outro assunto. Com qual intuito ela ensinaria ao
ser humano estar bem consigo mesmo, sozinho consigo mesmo, independente e
autônomo do mundo consumista que de minuto a minuto lhe bombardeia a mente e os
sentidos para fazer com que este ser humano deixe de ser humano e se torne um consumista,
digo, um consumidor? Será que essa sociedade pós-industrial quer deixar o controle da sociedade nas mãos de pessoas que gozem de uma efetiva capacidade de escolha, de liberdade? Um indivíduo que constantemente sinta a obrigação de
comprar alguma coisa para sanar algo misterioso que grita no fundo de seu âmago
e que parece não calar, insaciável, pedindo simplesmente atenção, mas que essa
sociedade pós-industrial dita moderna diz conhecer tão bem e por isso inventa
coisas – produtos – que, segundo ela, sanariam essa inquietação interior?
Na qualidade de simples filosofante, diria que se trata do
próprio espírito humano suplicando um pouco de tempo para si mesmo, para
refletir sobre sua vida, suas escolhas, suas inquietações, suas reais
necessidades. De que me adianta ter um aparelho de celular de última geração,
que toque músicas, vídeos, que possua uma infinidade de recursos se não consigo
falar para mim mesmo? De que adianta ter um emprego maravilhoso, que me pague
um salário fantástico, que dê todas as garantias ou direitos que é permitido a um
trabalhador se não consigo saber se de fato aquele emprego corresponde aos meus
anseios mais íntimos, ou seja, a minha vocação? Será que devo seguir sempre as
tendências da moda que me obrigam de tempos em tempos a trocar o guarda-roupa compulsivamente?
Será que as coisas, os produtos, os sapatos, as roupas, aquele carro do ano
conseguem realmente me satisfazer enquanto ser humano?
Esses produtos, esse consumismo, esse corre-corre rotineiro,
carros, pessoas, tevê, internet, notícias, esportes, informação,
entretenimento..., enfim, parece que absolutamente tudo que existe nessa sociedade
pós-industrial corresponde a constantes tentativas de saciar aquilo que é aparentemente
insaciável no ser humano: a vontade de ser ele mesmo.